Existem, abaixo do céu, dentre outras várias formas de se categorizar, duas espécies de homens: a do homem-águia e a do homem-urubu. Explico.
O homem-urubu é aquele que lhe basta a decomposta e fétida porção carnal para sua satisfação. A carniça lhe agrada e é por ela que direciona suas investiduras em busca da sua saciedade. Não tem muito critério, não é de selecionar e não sabe diferenciar o filé da carne podre. Anda por aí comendo qualquer coisa, igualando-as à carniça, nivelando-as por baixo. Não sabe curtir um filé saboreando-o em todos os seus inigualáveis paladares, come-o como se fedesse, como uma carniça qualquer.
Contudo, para salvação da humanidade e glória de toda evolução, existe o homem-águia. Este, ao contrário daquele, voa por ares insondáveis com olhar no horizonte, e não é qualquer mera distração que o faz retirar os olhos deste infinito. É preciso uma presa especial para que, por alguns instantes, ele retenha esta sede pela aurora e se digne a mergulhar de cabeça num salto profundo e hábil, além de fatal, para atingir seu intento alimentar. Só o filé é capaz de mobilizar o homem-águia a tão dedicada e investida atitude. E ele o reconhece de longe, diferenciando-o do morto e deteriorado repasto predileto do urubu.
Assim, é fácil observar que o homem-águia arrebata, tira os pés do chão, eleva o filé aos céus, fazendo-o voar e experimentar deste mistério que paira entre as nuvens e estrelas distraídas. Enquanto, o homem-urubu, este infame, se serve no chão, fazendo a presa se sentir rasa e suja como o terreno que lhe serve como prato para tal banquete nefasto.
O homem-águia é raro, não se encontram muitos por aí. A águia precisa de uma área territorial de uma circunferência de quilômetros. Enquanto o homem-urubu anda em bandos. São muitos e por toda parte que há carniça, lá estão eles. Há momentos milagrosos na natureza, e um destes é quando vários homens-águia andam juntos, há de saber usufruir-se dos excepcionais mistérios ecológicos. Geralmente, por falta de companhia, andam com os homens-urubu, mas uma águia nunca será um urubu, há de se fazer uma criteriosa distinção.
Ainda, observa-se que o homem-águia é, sobretudo, um forte. A águia é corajosa, não se importa com o quão grande e vivaz é a presa, e difere-lhe ataques certeiros e dotados de ímpar sagacidade e com tamanha intensidade que as deixam sem ação. Em contrapartida, o urubu é covarde, esperando a hora de mórbida - e/ou alcoólica- fraqueza para agir ardilosamente atacando pelas fragilidades cadavéricas de uma presa sem tanta vida.
Ora, não disserto tão acidamente para endemonizar os urubus. Eles têm seu lugar e, infelizmente, sua função na cadeia alimentar. São frutos de suas experiências passadas, de desajustados cativeiros-lar que promoveram distorcidas criações, maneiras pequenas de enxergar a vida, dentre vários outros motivos possíveis. Posso afirmar, até, que todos temos estas duas dimensões. O homem-urubu também possui um quê de águia, mas acaba não sabendo o que fazer com isto, e o homem-águia tem um pouco de urubu do qual não consegue se desfazer.
Escrevo alardeado porque não há problema no fato do urubu servir-se do filé, seria até bom que só existisse o filé. O prejuízo é do urubu se ele não sabe distingui-lo da carniça. Complicado é quando o filé se passa por carniça. Este é o problema. Quando o filé prefere misturar-se à terra e abandonar seu frescor e vivacidade, deixa apagar o brilho dos seus olhos para entregar-se sem luz própria em meio ao fedor de uma refeição desastrada. Ao invés, poderia misturar-se ao vento e vislumbrar o infinito do vôo que a águia poderia lhe proporcionar, e com esta fazer um só, tornando-se alimento revigorante e parte imprescindível que completa o vazio que mesmo o horizonte não preenche na águia. Seria alimento, mas reconheceria que não é mais nem menos que a águia, apenas parte de um projeto bem maior.
Não quero empregar com esta metáfora brincante um discurso machista onde somos vorazes predadores e vocês, mulheres, meras presas. É apenas uma forma de dizer que só há razão em ser águia, se por vocês, filés. Portanto, antes que comece a feder, seja o filé que você nasceu para ser.
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
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Como sempre, um texto lúcido e bem escrito. A metáfora pode parecer, a princípio, sexista, mas reflete bem, infelizmente, a forma como se lida com o sexo oposto hoje em dia. Há de se dizer, também, que o conceito de Urubu x Águia, não pode ser colocado como restrito ao homem, e sim também às mulheres, dado que hoje em dia também participam do processo de "caça" e escolha de parceiros como nós, antigamente caçadores exclusivos, hoje, em parte, também caça.
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