quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Linha 742

Entra uma senhorinha, já bastante idosa, sendo erguida por populares que a deixam no ônibus e partem, na certa aguardavam na mesma parada.
Eis que a mesma senta ao lado de um senhor com longos cabelos e as vestes bastante degradadas, um dos muitos pedintes que existem por estas ter...ras lisboetas, apesar do ônibus vazio e nesta parte do automóvel serem quatro bancos vazios, dois bancos de frente, voltados, para outros dois.
De pronto, o senhor levanta, e senta à frente da senhorinha, saindo do seu lado, no que inicia um encontro de existências espetacular:

- Senhora, saí de perto para que meus piolhos não caiam em cima da senhora.
- Ah, obrigado, não precisava.
- Corrijo-me: senhora, não, menina!
- Ah, sim. Já sou uma menina de novo.
- Não sei o que faço para que me larguem.
- Nesta idade, nem os piolhos me querem. Mas, obrigado. Deixe-os aí, te fazem mal?
- Acredito que não, minha cabeça com ou sem piolho sempre está a coçar.
- Então, deixe-os aí, se querem estar contigo. Não se pode ser muito exigente.

E depois de um riso alto, que fez todo o ônibus percebê-lo, envergonhou-se e voltou a falar baixo:

- Mas assim incomodo as senhorinhas como a senhora!
- Sim, pode ser. Mas sempre incomodamos alguém. Deixe-os aí.
- Tudo bem, não tenho muito o que fazer mesmo. Chegou minha paragem, senhora. Passar bem! A menina é muito gentil.
- O gajo é muito simpático e educado.
- "Até mais, senhora!" Falou, enquanto levantava-se.
- "Felicidades!" Respondeu a senhora, como quem deseja isso para mais alguém do que ele.

Ele pára, ouve e seu olhar vagueia como quem procura o significado dessa palavra:

- Ah, sim, sim, felicidades.. obrigado.

E seus olhos só pararam de vaguear quando focaram o interior do lixeiro que escavava na parada, enquanto o ônibus partia e a menina sentada no banco ouvia o eco de suas palavras dentro de si e achava graça por perceber que havia tempos não era tratada de forma tão delicada, e o tinha sido por alguém a quem a vida negara
tanta delicadeza.



*Diálogo presenciado no ônibus 742, sentido Charneca, em Lisboa, essa semana (devidamente traduzido para o português do Brasil).

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