quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Desabafo
Em mãos, quase, o anseio espreito
O que tarda chegar, límpido, à vista
Do que vem, sem hora, ao peito
Transborda, à boca, a conquista
As mãos não acolhem o grito
Que o corpóreo caminho percorre
Desanda, o urro, logro e aflito
Desata em viver, já não morre
Provoca o insípido, e tenro, espírito
O verbo de além do alcançar
Importa em ser mais que empírico
E em sua imprópria razão realizar
As palavras não combinam por si
Prepostas almas lhes concedam tear
Do real de lá ao simbólico daqui
Constroem e tentam, amiúde, significar
Não saem, porém, em fácil praguejo
Que se alcance no entojo disfarçado
Dilatam-se em verborrágico latejo
nas verdades do espelho abafado.
Não ouve a fala, senão o louco
Acordando do letárgico torpor
Que teima consigo falar, ainda rouco
Corajoso de ouvir-se sem favor.
sábado, 25 de julho de 2009
Violino das Ilusões
Como quem sonha atrasado, mas o faz
Avante, a lembrar melodias, lá de trás
Como quem semeia, admirado, a canção
Do caminho outrora esquecido da ilusão
E das sombras alcança o sol, ofuscante
Recomeça, toma-se e revive, vai adiante...
...
E assim, invade o traslado encortinado
À vontade no palco d’alma empoeirado
Em posse do seu próprio espetáculo cênico
De tal monta o deguste do eu, antes arsênico
Que paira, indizível, sob mil luzes sutis
Ao límpido descortino dos espíritos febris.
...
Eis que o tocador de sentimentos mil
Desperto do inerte torpor, alheio e senil
Dedilha emoções como quem as reza
Inusitada cartilha de orações, e despreza
O Inútil significado das doutrinas vãs
E põe sua fé na vermelha cor das maçãs
...
E ao silencioso violino das ilusões
Aquece, amiúde, invisíveis corações
E do calor, surgem surdas-mudas palmas
Do espetáculo não vivido pelas almas
Em bancos vazios de tantas lembranças
De platéias lotadas de poucas esperanças.