Entra uma senhorinha, já bastante idosa, sendo erguida por populares que a deixam no ônibus e partem, na certa aguardavam na mesma parada.
Eis que a mesma senta ao lado de um senhor com longos cabelos e as vestes bastante degradadas, um dos muitos pedintes que existem por estas ter...ras lisboetas, apesar do ônibus vazio e nesta parte do automóvel serem quatro bancos vazios, dois bancos de frente, voltados, para outros dois.
De pronto, o senhor levanta, e senta à frente da senhorinha, saindo do seu lado, no que inicia um encontro de existências espetacular:
- Senhora, saí de perto para que meus piolhos não caiam em cima da senhora.
- Ah, obrigado, não precisava.
- Corrijo-me: senhora, não, menina!
- Ah, sim. Já sou uma menina de novo.
- Não sei o que faço para que me larguem.
- Nesta idade, nem os piolhos me querem. Mas, obrigado. Deixe-os aí, te fazem mal?
- Acredito que não, minha cabeça com ou sem piolho sempre está a coçar.
- Então, deixe-os aí, se querem estar contigo. Não se pode ser muito exigente.
E depois de um riso alto, que fez todo o ônibus percebê-lo, envergonhou-se e voltou a falar baixo:
- Mas assim incomodo as senhorinhas como a senhora!
- Sim, pode ser. Mas sempre incomodamos alguém. Deixe-os aí.
- Tudo bem, não tenho muito o que fazer mesmo. Chegou minha paragem, senhora. Passar bem! A menina é muito gentil.
- O gajo é muito simpático e educado.
- "Até mais, senhora!" Falou, enquanto levantava-se.
- "Felicidades!" Respondeu a senhora, como quem deseja isso para mais alguém do que ele.
Ele pára, ouve e seu olhar vagueia como quem procura o significado dessa palavra:
- Ah, sim, sim, felicidades.. obrigado.
E seus olhos só pararam de vaguear quando focaram o interior do lixeiro que escavava na parada, enquanto o ônibus partia e a menina sentada no banco ouvia o eco de suas palavras dentro de si e achava graça por perceber que havia tempos não era tratada de forma tão delicada, e o tinha sido por alguém a quem a vida negara
tanta delicadeza.
*Diálogo presenciado no ônibus 742, sentido Charneca, em Lisboa, essa semana (devidamente traduzido para o português do Brasil).
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Saudades, malas e outras coisas para guardar.
Saudade é arrumar as malas, as que não vão aos aviões nem à parte de trás dos automóveis, mas que nos fazem tomar decisões. Escolhas difíceis sobre o que nos acompanhará ou deixará de fazer parte da nossa história, quando ao partir de sempre - de quem fomos para o que seremos - a bagagem tiver que ser diminuída, pois já pesa no caminho.
E aí, sem tanta preparação, vem a dor inadvertida porque aquela roupa preferida ou a máscara encardida, de repente, não servem mais para onde se quer chegar. E o penduricalho bonito, comprado para te enfeitar, já não tem tanto efeito, agora, vendido ao bazar, porque aquilo é mesmo só acessório, o principal é você. Bonito mesmo é você.
Algumas daquelas coisas que fizeram você parecer você durante um tempo, já não dizem nada dessa pessoa que você quase escondeu atrás de um terno caro de risca de giz ou um vestido estampado hippie chic. E o desconforto por não caber mais nas coisas de sempre dá espaço ao alívio de não sentir o apertado das teimosias que já pareciam fardas.
Saudade dói. Seja na vermelhidão do sutien apertado, seja no calo do sapato inédito. Ora nas marcas antigas que ainda não nos deixaram, ora no novo que se espreme para acomodar.
Mas também é revisitar a história de cada coisa, os momentos escondidos nas manchas daquela calça desbotada, os carinhos daquela camisa de “ficar em casa”, a roupa íntima que de tão velha ganhou o direito de não ser abandonada. O pijaminha tosco que de alguma forma absurda te deixa sexy.
É ver que o que é importante, acaba ficando na mala de algum jeito, acompanha nossos loucos caminhos durante a vida, mesmo em fotografias no fundo falso desses depositários de nossas esperanças. A estar conosco, resistindo, sem que leiam suas etiquetas de “FRÁGIL”, permeáveis aos baldes de água fria, desconsiderando até o veneno da naftalina, até que nossos remendos sejam um só, mala e gente, e de cada um só reste o pó, uma alma livre e as memórias indecentes da mais absurdas das felicidades.
E aí, sem tanta preparação, vem a dor inadvertida porque aquela roupa preferida ou a máscara encardida, de repente, não servem mais para onde se quer chegar. E o penduricalho bonito, comprado para te enfeitar, já não tem tanto efeito, agora, vendido ao bazar, porque aquilo é mesmo só acessório, o principal é você. Bonito mesmo é você.
Algumas daquelas coisas que fizeram você parecer você durante um tempo, já não dizem nada dessa pessoa que você quase escondeu atrás de um terno caro de risca de giz ou um vestido estampado hippie chic. E o desconforto por não caber mais nas coisas de sempre dá espaço ao alívio de não sentir o apertado das teimosias que já pareciam fardas.
Saudade dói. Seja na vermelhidão do sutien apertado, seja no calo do sapato inédito. Ora nas marcas antigas que ainda não nos deixaram, ora no novo que se espreme para acomodar.
Mas também é revisitar a história de cada coisa, os momentos escondidos nas manchas daquela calça desbotada, os carinhos daquela camisa de “ficar em casa”, a roupa íntima que de tão velha ganhou o direito de não ser abandonada. O pijaminha tosco que de alguma forma absurda te deixa sexy.
É ver que o que é importante, acaba ficando na mala de algum jeito, acompanha nossos loucos caminhos durante a vida, mesmo em fotografias no fundo falso desses depositários de nossas esperanças. A estar conosco, resistindo, sem que leiam suas etiquetas de “FRÁGIL”, permeáveis aos baldes de água fria, desconsiderando até o veneno da naftalina, até que nossos remendos sejam um só, mala e gente, e de cada um só reste o pó, uma alma livre e as memórias indecentes da mais absurdas das felicidades.
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